quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Era uma vez....

Era uma vez uma rapariga linda! Uma menina nascida na década de 60, numa família humilde, que vivia no campo em contacto permanente com as lides dos pomares, das hortas, dos celeiros e galinheiros. Família humilde e de luta. Uma luta diária pela sobrevivência difícil daqueles tempos, mas muito sorridente (é muito interessante pensar nestes tempos em que as pessoas nada tinham, mas viviam felizes em torno dos seus, se compararmos com o hoje em que se tem tanto e nada alegra as gentes!).

Uma menina entre dois irmãos que a faziam protegida; não ia ao baile sozinha, não fosse algum larápio apertar-lhe a cintura na altura da dança, ia à escola, à missa… e aprendia as lides domésticas, como todas as meninas na altura.

De estatura alta e marcante, olhos azuis e cabelo castanho, sempre bem arranjadinha (sim, que isto de ser pobre não significa obrigatoriamente que não se ande aprumada), já jovem, fazia as cabeças rodar quando ela passava.

Quando se é jovem, há uma série de portas e janelas por abrir e sempre a incerteza do que estará depois da porta (depois parece que crescemos e deixamos de ver as portas). Há sonhos por concretizar, outros apenas para girarem no mundo dos sonhos.

Na história desta rapariga, houve uma porta com acesso a uma vida difícil que se abriu. Por si só, não tem mal maior! Afinal, todos nós estamos sujeitos a abrir portas que nos conduzem a caminhos mas tenebrosos ou a momentos menos sorridentes. Cabe-nos depois conseguir fechar essa porta e abrir uma janela ou outra porta, à procura de um quarto mais brilhante, mais arrumado, mais esperançoso. E ainda assim, se atrás da nova porta aberta houver um espaço escuro que enterre a nossa cabeça em nuvens cinzentas, haverá certamente outra porta, ainda que muito pequenina, para espreitar. Não pode é haver desistências e a conformação para uma vida infeliz!

A rapariga bonita, com dotes reconhecidos para a costura e outros talentos que lhe ofereciam um futuro profissional promissor e sorridente, deu a mão a um fantasma que lhe roubou a alma. Não é um fantasma com um lençol branco a cobrir-lhe o corpo e a esconder-lhe o mau feitio. Nada disso! Veio disfarçado de príncipe encantado com promessas de amor para uma vida para sempre! Aprovado por pais e manos, e mesmo que não fosse aprovado seria o escolhido, porque isto do amor não há razões que se imponham à vontade do coração e do desejo dos apaixonados.

E quase, quase, que esta parecia uma uma história de fadas! E até podia ser, porque nas histórias de encantar também há bruxas más e vilões, mas ao contrário das histórias de encantar que têm sempre um final feliz, e o bem vence o mal, a história desta rapariga bonita não tem um final feliz.

Nesta história o príncipe não beija a princesa, não a transporta no seu cavalo branco por caminhos verdejantes de alegrias partilhadas, gargalhadas conjuntas e de companheirismo com palavras doces!

Afinal, atrás da porta havia proibições, violência, cobranças infundadas, medos, gritos, falta de apoio, azedumes diários e a teimosia de não abrir outra porta ou, pelo menos, de escancarar a janela para outro mundo. Houve ainda tentativas de desvio para outros caminhos muito menos espinhosos, mas o fantasma aparecia sempre e vinha novamente disfarçado de uma oportunidade para que dessa vez fosse feliz!

E foi? Não, não foi. E no quarto claustrofóbico a vontade de viver escasseou muitas vezes, demasiadas vezes.

Nesta história não há culpas… mas se as quisermos atribuir, serão inequivocamente para o fantasma. Mas… não é isso que importa nesta história!

Porque culpas para as coisas não funcionarem haverá sempre de ambas as partes, MAS para a violência (física e psicológica) NUNCA haverá justificação.

Nesta história também há anões e fadas madrinhas a quererem ajudar, mas sem varinhas de condão, porque a magia, essa, só existe nos contos de fadas. Aqui houve e há pessoas que têm querido ajudar, que têm sofrido com este caminho espinhoso, que lhe querem dar colo, mas que não lhe conseguiram fechar aquela porta, porque está lá sempre uma pedra à espera de que tudo mude! Que tudo mude, mesmo que já lá vão mais de 30 anos!

E esta esperança chega a ser patética! Mas... se até as princesas dos contos são ingénuas (olhem a Branca de Neve que comeu a maçã de uma desconhecida ou a Cinderela que não reagia aos maus tratos da madrasta!)!!!

E o tempo passou. Para quem está de fora passou muito depressa, mas para quem vive esta história, são angústias que devem passar muito, muito devagar! Os corpos jovens e bonitos envelheceram, vieram doenças, tristezas e os votos "amar-te na saúde e na doença, nas alegrias e nas tristezas" foram simplesmente ignorados de um dos lados!

Esta mulher não vai ser salva por um cavaleiro andante, nem por uma fada mágica! Só uma força interior e corajosa pode fazê-la fechar a porta do quarto escuro e erguer a sua mão firme para abrir outra porta, com vontade de ainda ser feliz.

Eu acredito que ainda iria a tempo de ser feliz! É verdade que os pesadelos do passado não seriam esquecidos, porque são mágoas muito profundas, daquelas que estão vincadas nas rugas, calcificadas nos ossos e que infectaram as entranhas! Não há nenhum comprido que as consiga curar! Mas, acredito que poderia ser ainda uma princesa com um sorriso nos lábios e com novo fôlego para sonhar!

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