terça-feira, 16 de abril de 2013

Um luto colorido

Querido pai,

Hoje vesti uma blusa bordeaux (para ti, e para a para a maioria dos homens, é encarnada ou vermelha).

Morreste há cerca de um mês e meio… pelo que esta minha atitude pode ser vista aos olhos exteriores como uma falta de respeito! Ainda por cima, porque os manos exteriorizam ainda a dor na cor preta que faz parte das suas vestes.

A verdade é que a palavra respeito entre nós nunca foi colocada, não por falta de respeito, mas pela distância que a tua ausência durante 20 anos da minha vida, da nossa vida, criou.

Sabes, talvez nunca tenhas pensada muito nisto, mas fizeste-me falta. Tenho na memória de em pequenina me questionar, porque terias desaparecido das nossas vidas! Também me lembro do sofrimento grande da mãe, sozinha com 4 filhos e um deles (eu) tão pequenino. Foi uma dor tão grande que a levou, literalmente, à loucura! Foram momentos difíceis, como também foi difícil todos os anos em que no dia do pai, na escola, eu tinha que fazer um presente e não tinha a quem o dar! Foi sempre ao mano Z., o mais velho, que simbolizou a imagem de pai lá em casa e era ele que recebia esses mimos paternos, mas eu sabia que era só a fingir!

Também sentia a tua falta nos meus natais de criança… Tínhamos muitas dificuldades financeiras e por isso o meu Natal não era como o dos outros meninos. Mas, o que me fazia mesmo falta nesta altura, era o pinheirinho que costumavas trazer no dia de Natal, amarrado na tua motorizada, para enfeitarmos. O pinheirinho que tu trazias da limpeza das árvores que tão bem sabias fazer (as outras pessoas, as que melhor te conheciam diziam que eras o melhor a cuidar das árvores).

A tua falta foi-se esvaindo em mim. A mãe foi uma corajosa, como sabes, e deu a volta por cima das dificuldades e conseguiu seguir em frente, amparada pelos filhos e pelo amor que se vivia, e vive, entre nós e também com a ajuda dos vizinhos bons que fizeram partes da nossa vida!

Por isso, eu aprendi a viver sem pai e a responder às pessoas que me perguntavam pelo meu pai sem problemas ou lágrimas. Nas fichas da escola eu preenchia sempre o teu nome e a profissão, mas não completava com a morada… eu não sabia por onde andavas.

Quando entrei para a universidade, fizeste-me chorar. Tu não sabes, não tinhas como saber, mas é verdade!

Para ganhar a bolsa de estudo, tive de justificar, numa entrevista, a minha vontade de estudar, os meus objectivos, e as minhas dificuldades financeiras. E na cabeça da psicóloga não era possível eu não saber do meu pai, não era possível que ele não contribuísse em nada e que a minha mãe nunca te tivesse exigido nada, judicialmente. E isto abalou-me! Senti uma raiva incomparável dentro de mim!

Mas, eu cresci… a minha atitude humilde também amadureceu e tu voltaste a aparecer nas nossas vidas, mais nas dos manos, do que na minha e entende-se porquê. Quando escolheste ficar noutro lugar, com outra família e noutra vida, eles eram todos já jovens… ou seja, tinham crescido com um pai e eu tinha só 4 anos.

A pedido dos manos e da mãe que nunca se divorciou de ti, e que no coração dela te perdoou (só esse perdão permitiu que ela cuidasse de ti quando precisaste), eu fui arranjando um espacinho na minha vida e no meu coração para ti. Estiveste presente quando me formei, quando me casei, no nascimento do meus filhos e eu falo a estes teus netos de ti. Falo-lhes neste avô, sem amargura, mas tenho pena de ter pouco para contar.

Aprendi com o tempo que tu terias uma razão para fugir (a tua razão!). E que talvez tenha sido até melhor para mim e que essa ausência tenha feito de mim a mulher que sou hoje (acho que não sou um mau exemplo da espécie humana)!

A tua doença e morte abalou-me como eu nunca achei que acontecesse!

E senti uma raiva dentro de mim por não ter a tristeza que outros filhos têm. Por não exteriorizar aquilo que aos olhos exteriores achavam que seria natural e correcto.

Mas, sabes que estive presente. Que foi com dor que te vi a definhar naquela cama de hospital e que foi com tristeza que me sentei ao lado do teu caixão!

Partiste e parece que nem fizemos as pazes!

Desculpa se também não fui uma boa filha… eu perdoou-te por não teres sido um bom pai, um pai presente.

A minha blusa vermelha não é alegria por teres partido, nem falta de respeito! É a exteriorização da minha sinceridade para ti e para o mundo e, no fundo, simboliza a vida feliz que eu tenho. E eu sei que, estejas onde estiveres, ficas feliz por saberes que esta tua filha é feliz e que hoje pensou em ti quando vestiu esta blusa bordeaux!

1 comentário:

  1. Pois bem, não é a cor da roupa que usamos que, demonstra de alguma maneira, o que sentimos por alguém, ainda mais, quando essa pessoa já partiu. Fazes bem em perdoar, pois eu, mal comparado, também o perdoei por não ter sido como foi a avó(sempre presente na minha vida e na minha educação), sempre com um colinho para mim. É óbvio que ele fez muito mais falta a ti que a mim mas, as mágoas e as desilusões só servem para nos fazer crescer como seres humanos e não podem de maneira alguma, ficar presas a nós...

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